- Schaden, Egon. 1964. Resenha de "Der grösste Indianerforscher aller Zeiten" [Cappeller 1962]. Revista de Antropologia, v. 12, n. 1-2, p. 141-142. [PDF]
[141]
FRITZ CAPPELLER: Der grösste Indianerforscher aller Zeiten. 36 págs., com ilustrações. Edição do autor. Bad Salzungen (1963).
Trata-se de uma conferência sôbre Curt Nimuendajú, proferida em dezembro de 1962 no "Intelligenz-Club" de Iena, cidade em que nasceu o grande estudioso dos índios de nossa terra. A carreira de Nimuendajú como cientista é notória. Pesquisador incansável, deu em quarenta anos de atividade a maior contribuição com que até hoje um sábio enriqueceu a etnologia do Brasil, conquistando um lugar de destaque reconhecido sem reservas por todos os que se dedicam ao assunto. Empreendeu numerosas expedições a tribos aborígenes de todos os recantos do país, publicando artigos e monografias sôbre dezenas delas. Entre outros, os seus trabalhos sôbre os Guaraní, os Parintintín, os Xipáia, os Palikúr, os Apinayé, os Xerénte, os Timbíra Orientais e os Tukúna são indispensáveis a quem quer que trate de nossa etnologia. As suas observações, anotadas sempre com escrúpulo e com viva consciência de problemas essenciais, cobrem sobretudo os campos da religião, da mitologia e da organização social.
A par disso, levantou inúmeros vocabulários de idiomas indígenas e realizou importantes escavações arqueológicas. Chamava-se primitivamente Curt Unkel (ou Unckel). O nome Nimuendajú, pelo qual se tornou famoso no mundo científico, foi-lhe imposto em 1906 por um grupo guaraní do interior de São Paulo, com o qual passou alguns anos no comêço do século e sôbre o qual escreveu o seu primeiro grande estudo. Com o mesmo nome, a princípio usado como pseudônimo, obteve em 1922 o título de cidadão brasileiro. Nascido em 1883, viera ao Brasil aos vinte anos de idade. Em 1945 faleceu numa aldeia tukúna de Santa Rita, na alta Amazônia.
Nada sabíamos de sua infância e juventude. Com paciência beneditina, Fritz Cappeller reuniu durante anos tudo o que pudesse desfazer a áurea de mistério. Além de outros documentos, consultou o registro civil e o de batismo. Colheu o testemunho de colegas de escola e de pessoas que o conheceram em Iena.
Cappeller descobriu que o menino Curt Unkel era órfão de pai e mãe. O pai, que era comerciante, falecera por ocasião de uma viagem a Moscou no ano do nascimento do filho, ou pouco mais tarde. Logo após deu-se a morte da mãe, ficando o pequeno, por um ano, sob os cuidados da avó e, depois, de uma tia. Menino de escola, Curt organizou com alguns companheiros um "bando de índios", que brincava nos bosques de Iena. Daí lhe nasceu por certo o desejo de um dia viver com os indígenas. Fêz o curso secundário e foi trabalhar na fábrica Zeiss. Passava então muitas horas estudando mapas e lendo tudo o que na biblioteca havia sôbre os índios da América do Norte e do Sul. O seu grande sonho era emigrar para o Brasil; realizou-o afinal com o auxílio de sua meia-irmã, que se tornara professôra e que reuniu o dinheiro necessário ao pagamento da passagem.
Êsses dados biográficos talvez ajudem a compreender melhor certos traços da personalidade de Nimuendajú. O menino parece não ter tido infância risonha. É descrito, aliás, como ensimesmado e um tanto arredio, e os que conheceram o explorador na idade madura tampouco lhe atribuem gênio comunicativo, conquanto o retratem como afável. A renúncia à terra natal e o anseio de se abrigar num mundo estranho talvez não fôsse simples manifestação de espírito romântico, mas, antes de mais nada, um protesto, também contra a ordem sócio-política. Numa carta escrita em São Paulo em 6 de janeiro de 1904, o jovem declara que continuava republicano
[142]
convicto, ainda que profundamente escandalizado com a corrupção e outras coisas negativas que afirma ter encontrado no Brasil. Com maior razão procuraria o convívio dos índios, aos quais se ligaria por um afeto que por certo não experimentara na infância e que, ademais, lhe dariam oportunidade sobeja para saciar uma sêde de saber que não pudera ser satisfeita na biblioteca da fábrica Zeiss.
Cappeller, que não é etnólogo, não se aventura a uma apreciação crítica da obra de Nimuendajú. Reúne, entretanto, grande número de citações de especialistas de diferentes países para documentar o alcance da contribuição do grande pesquisador no quadro geral da etnologia brasileira. Cá e acolá, intercala também, de forma resumida e apenas para exemplificar, alguns dos resultados que lhe parecem mais significativos para a ciência. Embora em tudo isso não se atenha a nenhuma ordem lógica ou cronológica, não há dúvida de que consegue traçar o perfil do sábio e dar uma idéia do trabalho que realizou.
A exposição é entremeada com freqüentes citações e referências de ordem literária, histórica, política e filosófica, divagações que talvez não agradem a todos por desviarem a atenção do assunto central. Não se deve esquecer, porém, que, dirigindo-se a intelectuais de interêsses vários, Cappeller não teve outro intuito senão o de apresentar-lhes um filho ilustre de Iena pràticamente ignorado em sua cidade natal.
Egon Schaden