Prefácio, por Paulo Freire (in Hernández 1981)

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PREFÁCIO


Este livro de Isabel Hernández me toca intensamente. Antes mesmo que tivesse sido escrito tomei conhecimento, em certo momento, do projeto; em outro, da prática de que ele nasceu. Wilson Cantoni, cujo desaparecimento inesperado nos feriu tanto, professor, na época, da Faculdade Latino-Americana de Ciencias Sociais — FLASCO — em Santiago, e que participara com Isabel do mesmo sonho de um trabalho sério com os mapuches no Chile, me havia escrito uma larga carta, em fins de 1971 ou começos de 1972, acompanhada do projeto a ser posto em prática. A carta de Cantoni, longa e lúcida, falava, apaixonadamente, do que se poderia fazer através de um esforço de alfabetização mapuche-castelhano. Esforço em que os mapuches, partindo da compreensão crítica de sua língua e de sua linguagem, se alfabetizassem — se quisessem — em castelhano. Mais ainda, em que a leitura da palavra, em mapuche ou em castelhano, se fizesse simultaneamente com a leitura do mundo. "É assim", me dizia Cantoni em sua carta, "que Isabel, coincidentemente contigo, vê a alfabetização, no caso, dos mapuches."

Depois daquela carta, de vez em quando notícias me chegavam a Genebra informando-me de como marchava o projeto que eu seguia de longe, apaixonadamente também.

Não foi, assim, por puro gesto irresponsável que, escrevendo a Isabel, a quem ainda não conhecia pessoalmente, disse, certa vez, que seria uma honra para mim se pudesse trabalhar com ela naquele projeto, na América Latina. É que o estudo do projeto e o acompanhamento do mesmo através de notícias que me falavam de como ia ele se desenvolvendo, me convenciam da coerência entre a prática de caráter libertador e o discurso nele contido.

O esforço de Isabel tanto quanto o em que me empenhei muito tempo antes dela não tinha nem podia ter nada de neutro. Isabel bem como aquelas e aqueles que com ela trabalharam deixavam bem claro, desde o começo, a sua opção que era político-pedagógica e não

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impossivelmente apenas pedagógica. E a sua opção não era por quem, discriminando as populações nacionais, chamadas de aborígines, as domina e explora com total e óbvio desrespeito a sua identidade cultural. A sua opção era e continua a ser por um trabalho em comunhão com essas populações exploradas. Trabalho que representasse uma contribuição, por mínima que fosse, mas importante, à luta por sua libertação.

A minha tarefa, ao escrever estas poucas palavras à guisa de prefácio, não é a de me deter na análise do livro. Me darei por feliz se com elas, estas poucas palavras, for capaz de despertar a curiosidade crítica de quem as leia para que leiam também o livro de Isabel.

Vale a pena fazer isto.

Perdizes — São Paulo
setembro, 1981
Paulo Freire.

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