- Balduino, Tomás. Apresentação. In Carelli, Vincent & Milton Severiano. 1980. Mão branca contra o povo cinza : vamos matar este índio?, p. 4-5. Brasil Debates. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista.
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APRESENTAÇÃO
Aqui está a descrição do assassínio de um Povo. Por motivo de comunicação urgente saiu uma narrativa bem curta e numa linguagem de fácil entendimento. Não é nenhuma ficção. Tudo se fundamenta na documentação abundante e terrivelmente verdadeira.
O que é grave aí é que esta história é apenas uma pequena parcela da nossa História do Brasil. E são também brasileiros os envolvidos como autores do extermínio. Os fatos não são de séculos remotos. São fatos de agora. E não se trata de um caso isolado de índios Nambiquaras do Vale do Guaporé. Na realidade não há grupo indígena no País que não esteja sofrendo algum conflito grave por causa de suas terras.
A guerra de extermínio, outrora declarada em nome do direito do extinto Reino de Portugal, é a mesma guerra que hoje está destruindo os remanescentes povos indígenas do Brasil em nome do direito ao Desenvolvimento Econômico apoiado na Segurança Nacional.
E como em quase toda guerra o fim justifica os meios, nesta já foram usadas todas as armas: os cães, os laços, a Winchester 44, a metralhadora, o napalm, o arsênico, as roupas contaminadas com varíola, as pressões político-empresariais no gabinete do Ministério do Interior, o protecionismo oficial entreguista, as mentirosas certidões negativas, as transferências e deportações, a estrada e a cerca, a derrubada e o fogo, o capim e o boi, as declarações oficiais e os oficiais desmentidos, os expurgos e as nomeações no órgão tutelar, os decretos de direito e suas anulações de fato. Numa palavra: a impostura.
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Em toda guerra, depois de um tempo de total desinformação e confusão, chega a hora da clareza e da verdade. Esta hora já está chegando para nós. Por isso é necessário a comunicação rápida como a que está tentando esta brochura.
Neste sentido eu chamo a atenção do leitor para a linha divisória que se torna bem visível neste conflito de extermínio de ontem e de hoje. De um lado estão as grandes Empresas nacionais e multinacionais apoiadas num governo elitista e classista e do outro lado estão os índios e os seus novos aliados cada vez mais numerosos aqui no Brasil como no resto do mundo.
Não há meio termo. E a meu ver o que está em jogo não é simplesmente a sobrevivência de alguns milhares de índios, mas o próprio espaço de vida humana, de dignidade, de amor e de verdade.
A salvação de grupos indígenas como este povo Nambiquara tem o valor de símbolo com relação ao futuro de nossa Humanidade. Ou recuperaremos um lugar de liberdade para um viver pluralista, ou seremos todos subjugados como escravos do único Deus-Bezerro-de-Ouro.
Se perdermos esta guerra então se cumprirá a profecia do povo de Etreka:
"Se a mão branca profanar a morada dos espíritos, acabará o mundo".
Não é só o mundo Nambiquara, com certeza.
Goiás, 1.º de junho de 1980
Dom Tomás Balduino
Bispo de Goiás