Apresentação à 2.ª edição dos "Ensaios de etnologia brasileira", de Herbert Baldus (Schaden 1979)

APRESENTAÇÃO À 2.ª EDIÇÃO

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Reeditam-se, em boa hora, os Ensaios de etnologia brasileira, de Herbert Baldus, cuja 1.ª edição saiu em 1937, como volume 101 da então já famosa coleção "Brasiliana". A iniciativa merece calorosos aplausos, de vez que a obra, de há muito esgotada, constitui marco significativo na história das pesquisas etnológicas neste País. Foi o primeiro livro por meio do qual os então poucos pesquisadores brasileiros de nossas culturas aborígenes, quase todos autodidatas, ou simples apaixonados pelo assunto, puderam tomar conhecimento da aplicação de princípios teóricos e de critérios metodológicos que em outras terras se haviam estabelecido para a análise científica das culturas tribais. Baldus fora discípulo de Richard Thumwald, da Universidade de Berlim, propugnador, na Alemanha, da perspectiva funcionalista na investigacao etnológica. O funcionalismo, então em voga na Inglaterra, vinha opor-se, decidida, convicta e até agressivamente, à chamada Escola Histórico-cultural, à qual se filiavam quase todos os etnólogos dos países de língua alemã, e que era liderada por Wilhelm Schmidt, então professor da Universidade de Viena e diretor do Instituto Anthropos.

Em seus numerosos trabalhos sobre índios brasileiros, Baldus, entretanto, não se deixou cercear pelos conceitos apregoados pelos mentores do funcionalismo. Era espírito independente, de personalidade marcante e sempre avessa a qualquer camisa-de-força com que, porventura, tal ou qual posição teórica, mais ou menos ortodoxa, pudesse restringir a expressão da originalidade de seu pensamento. Já nos Ensaios de etnologia brasileira, e muito mais em trabalhos subseqüentes, pelas décadas fora, revela interesse particular nos problemas de mudança cultural, de aculturação e de assimilação, todos eles naqueles idos praticamente negligenciados pelos antropólogos britânicos, que desenvolveram a teoria funcionalista.

Reiteradamente, ao longo de sua carreira dedicada à ciência e ao magistério, Baldus assumiu atitude crítica diante de idéias que

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expusera em seus Ensaios. Várias vezes tive ensejo de verificá-lo em discussões que com ele travei. E em alguns de seus trabalhos posteriores, em sua maioria pequenas obras-primas, revogou expressamente certas opiniões um tanto arrojadas, que, afirmava, não provinham senão do ardor da juventude. É pena que não haja sido encontrado, em seu espólio, o exemplar no qual anotara as emendas, as correções e os cortes que deveriam ser levados em conta numa eventual reedição do livro, hoje objeto de procura na lista de muitos estudiosos e de bibliotecas de instituições científicas de aquém e de além-mar.

Registramos com regozijo que os Ensaios se tornam agora acessíveis aos etnólogos da nova geração. No tempo em que os redigiu, o Autor não dominava o português. Afonso d'E. Taunay, que prefaciou a primeira edição, me disse um dia: "Baldus é um caso difícil. Tudo o que escreve precisa de duas traduções, uma para o lusitaniforme, outra para o português". Dois conhecedores do vernáculo se dispuseram a transpor o texto deste livro num português aceitável: J. B. Damasco Penna e J. Cruz Costa. E a edição que ora se publica não difere da anterior a não ser na indispensável atualização ortográfica e no ajuste a requisitos de apresentação formal do texto.

Advirta-se, de passagem, ao leitor, que, daquilo que hoje se apresenta como novos pontos de vista na discussão de problemas relativos aos nossos índios, grande parte já se encontra, pelo menos esboçada, em obras de pioneiros. Cumpre fazer-lhes justiça. E Baldus foi um desses pioneiros em nossa terra.

Como todas as ciências, a etnologia evolui, enriquecendo-se pelo conhecimento de novos fatos e pela conquista de novas linhas de interpretação. Sempre está sujeita a reformulações que o progresso impõe. Mas não é por isso que se devem ter por obsoletos os trabalhos dos que nos precederam, contanto que — e este é o caso dos Ensaios, de Baldus — haja como suporte o registro meticuloso, fiel e fidedigno, de fatos concretos. Eu mesmo tive ensejo, numa expedição que fizemos juntos, já faz mais de trinta anos, de verificar o rigor com que anotava, em sua caderneta de viagem, todos os pormenores das manifestações culturais que na época o interessavam de modo especial.

Basta isso, parece-me, para justificar plenamente esta reedição. Que os etnólogos da nova geração deixem de lado o desdém pelos que os precederam e, no caso, tomem conhecimento do texto, reconhecendo, em primeiro lugar, o mérito de quem abriu uma picada na floresta e, em segundo, a consciência de que nada supera — no campo da etnologia, como em outras províncias do

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saber — a atitude objetiva, isto é, despida de preconceitos, com que o pesquisador competente enfrenta a realidade a ser analisada.

Summa summarum, o conhecimento deste volume e a meditação sobre o que nele se contém são indispensáveis a quantos se dedicam ao estudo das culturas indígenas do Brasil.

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