- Baldus, Herbert. 1954. Introdução. Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira, Vol. 1, p. 9-24. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, Serviço de Comemorações Culturais.
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INTRODUÇÃO
Êste livro trata das notícias dadas pelos brancos acêrca dos índios do Brasil. Também das interpretações que tais notícias sofreram entre aquêles. Não se refere a romances nem a indianistas como José de Alencar, embora se reconheça que os produtos do espírito humano aqui comentados não estejam isentos de fantasia. Mas, os seus autores geralmente buscavam a verdade, ao invés da fascinação pela bondade e beleza. São escritores que se esforçam por mostrar, antes de tudo, aquilo que lhes pareça verdadeiro. E que, às vêzes, se preocupam também com a conclusão moral. Nunca, essencialmente, com o efeito estético de sua narrativa.
A primeira notícia foi dada logo após a chegada de Cabral. Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota portuguêsa, redigiu, em 1500, sua célebre carta ao rei Dom Manuel. Assim, a história da Etnologia Brasileira principia com o descobrimento do Brasil.
Contém, em cada século, fatos notáveis, de valor para nós hodiernos. Medimos êsse valor tanto pela exatidão e multiplicidade das observações comunicadas, como pelo grau de distância em que o observador se colocou, quanto aos preconceitos de seu próprio povo, procurando compreender objetivamente a cultura estranha que se propôs observar.
A exatidão de Vaz de Caminha é demonstrada, por exemplo, pela seguinte descrição do tembetá: "Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos nêles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento de uma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque-de-xadrez, alí encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer e no beber."
O número de dados etnològicamente aproveitáveis é maior, nessa carta de 1500, do que em outros documentos do comêço do século XVI que se referem a índios do Brasil. Além disso, Vaz de Caminha não sòmente evita desfigurar os fatos observados, como chega a exprimir sua opinião sôbre os habitantes da terra descoberta com as palavras seguintes: "Segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser tôda cristã, senão enten-
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derem-nos." Formar tal conceito acêrca de representantes duma cultura completamente alheia à sua, revela uma tendência que poderemos chamar de "etnocentrífuga".
A mesma ausência de preconceitos, determinados pelos valores morais de seu próprio povo, é demonstrada pelo autor da carta quando escreve que uma índia tinha "suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma."
As obras quinhentistas mais importantes para o conhecimento dos índios do Brasil são as de Hans Staden, Jean de Léry, Joseph de Anchieta e Gabriel Soares de Souza. Tratam, principalmente, dos Tupinambá. O arcabuzeiro alemão Staden passou nove meses como prisioneiro dêsses índios, e, a seu respeito, publicou em 1557, um livro que representa a primeira monografia sôbre uma tribo do Brasil. Léry recomendou-o a "todos os que desejem saber como são na verdade os costumes dos brasileiros." Hans Staden, além de descrever o objeto, dá, ainda, a sua designação em língua índia, e, para maior esclarecimento, inclui xilogravura. Pela variedade de seus dados, essa obra é, até hoje, muito consultada. Apesar de Staden ter estado longo tempo à espera de ser devorado pelos Tupinambá, foi sem ressentimento algum que os descreveu na sua narração. Desapaixonadamente, relata detalhes da antropofagia observada e explica sua causa como sendo ódio contra os inimigos da tribo, e não fome. A aparência física dêsses canibais é, para êle, tão atraente como a da gente de sua terra, isto é, da Héssia.
O missionário calvinista Léry, natural da Borgonha, afirma ter estado, durante quase um ano, em trato familiar com os Tupinambá. Suas observações não são menos exatas e variadas que as de Staden, superando seu livro o do alemão, em matéria lingüística. Sem ter conhecido esta obra antes de publicar a sua, Léry confirma a explicação de Staden no tocante à causa da antropofagia. É, porém, mais minucioso do que êste, pois distingue, ainda, entre os sentimentos de vingança que levam, em geral, os Tupinambá a comer carne humana, a gula especial de certas velhas.
Ao missionário jesuíta Joseph de Anchieta devemos preciosidades filológicas e outros dados sôbre os antigos Tupi, com os quais passou dezenas de anos. Devemos, também, informações relativas à organização de parentêsco e à ordem matrimonial, informações essas que, nas obras sôbre os índios do Brasil dos séculos seguintes, só têm similares em alguns trabalhos muito recentes.
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Gabriel Soares de Souza, senhor de engenho e, indubitàvelmente, um dos portuguêses mais cultos que vieram ao Brasil quinhentista, declara ter residido neste país durante dezessete anos. Além de tratar de multíplices traços culturais dos Tupi da Bahia, assemelhando-se a Anchieta na consideração de aspectos sociológicos, dá notícia das diversas tribos do litoral, desde os "Tapuias" do Amazonas até os "Tapuias" do rio da Prata.
Exceção feita dos livros de Claude d'Abbeville e Yves d'Evreux, as obras do século XVII não representam tão grande enriquecimento para a Etnologia quanto as do século anterior. Às informações dos quinhentistas, que se referem, principalmente, aos Tupi de São Paulo, Rio e Bahia, aquêles dois capuchinhos franceses acrescentam outras sôbre os Tupi do Maranhão. À invasão holandesa devemos notícias sôbre os índios do nordeste publicadas nos livros de Laet, Barlaeus, Marcgrave, Roulox Baro e outros, noticias essas cujo maior valor não consiste nas referências aos Tupi, mas no material sôbre os chamados Tapuia. Êsses dados foram, aliás, ilustrados pelo pintor Albert Eckhout e reunidos por Ehrenreich no seu artigo sôbre antigos retratos de índios sul-americanos. Os informes acêrca dos habitantes do Amazonas escritos pelo jesuíta Acuña que desceu o grande rio um século depois da viagem de Orellana narrada por Carvajal são, como os dêste seu antecessor e compatriota, quase inaproveitáveis. Mais valiosa é a "Descripção do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas" feita por Maurício de Heriarte. Na sua obra aparecida em 1663, o jesuíta Vasconcellos tenta uma classificação das tribos do Brasil, reduzindo-as a duas "nações genéricas" que, por sua vez, pela diferença da língua, são subdivididas em "espécies". Chama uma dessas "nações" de "Índios mansos", formando os Tupi uma "espécie" dela. A outra "nação" é a dos "Índios bravos" ou "Tapuyas". Também no século XVII, os jesuítas destacam-se pelas contribuições lingüísticas, sendo a obra mais importante da época a do padre Montoya.
O século seguinte foi quase estéril para a Etnologia Brasileira. Os resultados das viagens do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira são insignificantes quanto à descrição dos índios, a julgar pelo que foi publicado de sua obra. Só em 1795, Francisco Rodrigues do Prado escreveu sua pequena monografia sôbre os Guaikuru, tribo que vivia no vale do Paraguai ao redor do forte português comandado por êsse oficial. É uma exposição exata, se bem que muito resumida, da cultura dêsses índios, e uma prova surpreendente da compreensão e simpatia que animavam o autor. Por coincidência feliz, só vinte e cinco anos antes, o jesuíta Sánchez Labrador escrevera sua
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grande obra sôbre os mesmos índios e seus vizinhos Guaná. Dêsse modo, o século XVIII nos legou dois bons trabalhos, cuja importância aumenta pelo fato de se completarem.
No século XIX a etnologia tornou-se uma ciência, isto é, um campo de trabalho de cientistas especializados. É verdade que só na segunda metade dêsse século apareceram obras de etnólogos pròpriamente ditos. A "Viagem ao Brasil", do príncipe de Wied-Neuwied, saída em 1820 e 1821, embora seja, antes de tudo, trabalho dum zoólogo, tornou-se pioneira também do estudo indianista. Não existia antes de sua publicação uma descrição de tribo brasileira comparável à sua monografia sôbre os Botocudos. Já não fala mais o colono, soldado ou missionário, como nas mencionadas obras dos séculos anteriores. O autor é cientista experimentado, discípulo de Blumenbach, escrupuloso em observar, expor e formar juízos, afastado dos preconceitos de sua época e ótimo escritor. Não reuniu material sôbre tantas tribos como seu contemporâneo Martius, nem significa tanto para a história da Etnologia Brasileira como êste, mas superou-lhe, indubitàvelmente, em objetividade e exatidão.
Carl Friedrich Phil. von Martius, quando de sua chegada ao Brasil em 1817 — ano em que terminou a viagem de Wied, — tinha como tarefa principal o estudo da flora. Assim, durante os três anos seguintes em que percorreu o interior do país, de São Paulo ao Maranhão, subindo, enfim, o Amazonas, ficou conhecendo índios de numerosas tribos. Mas, tratava-se, geralmente, ou de indivíduos isolados de sua cultura originária e muito influenciados pelo contacto com os brancos, ou de tribos que sofreram consideràvelmente essas mesmas influências. Foram tais índios que serviram de base à formação de determinadas hipóteses do grande botânico. Martius não mencionou os dados etnográficos, que recolheu no Brasil, apenas nos volumes de narrativa de sua viagem. Reuniu-os, mais tarde, em obras especiais. Generalizava levianamente para formular hipóteses. Segundo uma delas, "os americanos não são selvagens, mas asselvajados e decaídos… restos degradados de um passado mais perfeito, em via de degeneração muito antes da descoberta pelos europeus." Uma de suas teorias fê-lo cair no êrro de d'Orbigny, que considerava os Karaib parentes chegados dos Tupi, exagerando assim a extensão e importância dêstes últimos. Além disso, o Brasil parecia-lhe etnogràficamente um enorme formigueiro onde tribos migravam sem cessar, dividindo-se, misturando-se e transformando suas línguas. É de estranhar, que, apesar disso, Martius tenha tido a coragem de elaborar a classificação dos índios dêste país e das regiões limítrofes, que marcou época na história da Etnologia Brasi-
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leira. Essa sinopse, coordenando, num esfôrço admirável, todo material disponível até 1867, abrange não só uma faixa mais ou menos larga do litoral, mas, também, pela primeira vez, todo o Brasil. Era, a despeito de certas desfigurações injustificáveis, o ponto de partida para a exploração puramente etnológica. Não quero dizer com isso que, sem o trabalho de Martius, Karl von den Steinen e Paul Ehrenreich tivessem deixado de empreender suas memoráveis expedições. O trabalho de Martius serviu para êles de fundamento para suas novas classificações e indicou-lhes muitos problemas a estudar.
As duas expedições de von den Steinen ao Xingu, realizadas em 1884 e 1887 são os maiores acontecimentos etnológicos brasileiros do século passado. Era a primeira vez que no Brasil se organizavam grandes e custosas viagens tendo como objetivo principal o estudo de índios. Os resultados foram sensacionais. Enquanto que Wied e Martius trataram sòmente com índios que já haviam estado em contacto imediato com os brancos, as tribos encontradas no alto Xingu por von den Steinen não tinham tido nem sequer relações indiretas com a nossa civilização. Além disso, formavam um ajuntamento isolado de representantes das quatro principais famílias lingüísticas do Brasil, isto é, Tupi, Karaib, Aruak e Gê. Essa descoberta e o seu estudo subseqüente forneceram material de valor perene para a história cultural do continente, completaram e modificaram o mapa etnográfico e familiarizaram-nos com a vida índia como nenhum estudo anterior o fizera e como poucos posteriormente. Foi uma feliz coincidência a de um homem como Karl von den Steinen ter sido o primeiro a encontrar êsses índios. Soube observá-los com tanta sutileza e, com tanta vivacidade, minudência e compreensão interpretou suas observações, que seu colega Erland Nordenskiöld pôde escrever no seu necrológio: "Folheando qualquer manual de etnografia, história das religiões, sociologia, psicologia, história das plantas cultivadas etc., encontramos sempre o nome de Karl von den Steinen e, muitas vêzes, algumas linhas dêsse homem de gênio, que inspirava tratados inteiros a outros." No estado atual dos conhecimentos etnográficos brasileiros, o livro de von den Steinen parece-nos,_ às vêzes, antiquado. De fato, êle nem sempre esclarece suficientemente as diferenças entre as tribos das cabeceiras do Xingu, falando delas, muitas vêzes, de uma maneira genérica. Carecem-lhe dados sociológicos. Entretanto, o livro ''Unter den Naturvölkern Zentral-Brasiliens", aparecido em 1894, é não sômente a obra prima da Etnologia Brasileira do século passado, como continua sendo, sob vários aspectos, uma fecunda introdução ao estudo dos índios do Brasil.
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Ao lado dessa figura imponente empalidece a de Ehrenreich que, depois de ter acompanhado von den Steinen na segunda viagem ao Xingu, visitou ràpidamente os Karajá do Araguaia e algumas tribos do Purus, já tendo estado antes entre os Botocudos de Espírito Santo e Minas Gerais. Seus trabalhos etnográficos sôbre todos êsses índios não passam, em geral, de ligeiras notas, e a leitura do melhor dêles, isto é, do estudo sôbre os Karajá, tornou-se em grande parte dispensável, pelas publicações de Krause em 1911. Sinopses feitas por êle do material etnológico do Brasil eram fundamentais em seu tempo. Hoje são obsoletas. Básicas continuam sendo, porém, as obras de Ehrenreich sôbre mitologia sul-americana comparada e antropologia física dos índios do Brasil, ainda que antiquadas em certo sentido.
Entre os viajantes do século XIX que, sem serem etnológos profissionais, contribuiram para o conhecimento das tribos dêsse pais, destacam-se o pintor Boggiani, com o livro magnificamente ilustrado sôbre os Kaduveo, e Gonçalves Tocantins com uma monografia sôbre os Munduruku. São, ainda, dignos de nota, Ricardo Franco de Almeida Serra, Couto de Magalhães, Barbosa Rodrigues, Telêmaco Borba e o Visconde de Taunay.
Enquanto que Martius, von den Steinen e Ehrenreich, os três principais iniciadores da Etnologia Brasileira do século passado, procuravam abranger, em seus trabalhos, o maior número possível de tribos e de diferentes traços culturais, construindo hipóteses e estendendo suas classificações além dos limites do Brasil, Max Schmidt, no seu livro aparecido em 1905, fornece dados de diversas espécies sôbre as várias tribos por êle visitadas e distingue-se pelo estudo fundamental de determinada espécie, isto é, a técnica de trançados dos Guató e dos índios das cabeceiras do Xingu. Entretanto, Max Schmidt como demonstram os relatórios de suas viagens posteriores ao Mato Grosso, nunca conviveu o bastante com uma tribo para fazer o que hoje chamaríamos de "estudo intensivo", isto é, uma penetração concretamente documentada da totalidade das relações e funções de uma cultura, considerando devidamente a organização social e os fenômenos religiosos. É preciso dizer, no entanto, que êle não deixou de pisar o campo escorregadio da "História Cultural" com sua dissertação sôbre a expansão dos Aruak. Mas o que lhe caracteriza a personalidade científica e constitui valor capital para o desenvolvimento da etnologia, é sua tendência aos estudos ergológicos e econômicos cujos assuntos se lhe afiguram como mais perceptíveis, melhor documentáveis e, por conseguinte, menos sujeitos a mistificações e mal-entendidos do que os da chamada "cultura espiritual",
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no sentido dado a êste têrmo por K. Th. Preuss e outros pesquisadores de fenômenos religiosos. Isso, porém, não leva Max Schmidt a esquecer o homem como fator decisivo na "cultura material". Assim, considera não sòmente a economia como processo social, mas também, na ergologia, a finalidade de cada objeto físico, colocando-se dêste modo em oposição ao padre Wilhelm Schmidt quando êste se limita a comparar formas sem dar atenção à função.
Por iniciativa do dinâmico Adolf Bastian que, por várias razões, merece o nome de pai da etnologia, o museu etnográfico mais importante do mundo foi o de Berlim, tornando-se a Alemanha o país mais rico em coleções etnográficas do Brasil. Predominava, então, nos estudiosos de povos-naturais, a idéia de estar se aproximando a última hora destes povos e, com isso, a extrema necessidade de salvar tudo aquilo que pudesse servir como documentário de sua cultura perante a posteridade. Queriam recolher, ainda, do maior numero possível de etnias diversas, o máximo de documentos. Óbvio é que, para tal fim e em tais circunstâncias, tratassem de reunir, antes de tudo, o mais acessível, isto é, utensílios, armas, enfeites e outros objetos "tangíveis". Karl von den Steinen, encaminhado por Bastian à etnologia, e, depois dêle, Max Schmidt, administrou a secçao sul-americana do Museu de Berlim, e enriqueceu-a consideravelmente com as coleções recolhidas em suas viagens. Koch-Grünberg e Fritz Krause, dois outros indianistas aos quais a Etnologia Brasileira muito deve, viajaram com o mesmo fito e foram encarregados, mais tarde, de funções semelhantes, dirigindo o primeiro o museu etnográfico de Stuttgart e o segundo o de Leipzig. Foi para este museu que Krause recolheu material, em 1908, no vale do Araguaia. Koch-Grünberg percorreu, nos anos de 1903 a 1905, o noroeste do Brasil por incumbência do museu berlinense, tendo como objetivo principal trazer coleções para suas vitrinas. É natural, pois, que as obras sobre essas duas expedições refletissem seus motivos na abundância de dados concernentes aos tesouros acumulados para os museus e na escassez de informes psicológicos e sociológicos.
Além disso, Koch-Grünberg, cuja instrução universitária era essencialmente filológica, dedicou grande parte de sua atividade a recolher, da bôca dos índios, vocábulos, frases e textos. Reunindo êsse material de dezenas de tribos, contribuiu mais do que qualquer outro para o conhecimento dos idiomas índios do Brasil e tornou-se, pela elaboração comparativa, uma das maiores autoridades em lingüística sul-americana. Sua fama, adquirida pelas publicações sôbre línguas do noroeste brasileiro, cresceu ao aparecer postumamente o tômo lingüístico de sua grande obra sôbre a expedição do Roroima
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ao Orinoco, realizada por êle nos anos de 1911 a 1913. Um outro dos cinco volumes concernentes a esta notável viagem é um dos melhores trabalhos de mitologia sul-americana, dedicado pelo autor ao seu mestre Karl von den Steinen. O tômo referente à etnografia propriamente dita é excelente, na parte ergológica, e mostra como Koch-Grünberg observou melhor do que anteriormente os fenômenos religiosos e sociais, se bem que seus dados sociológicos ainda estejam longe de satisfazer exigências atuais.
Tais exigências foram satisfeitas, no tocante a tribos brasileiras, sòmente por pesquisas mais recentes e, principalmente, pelos últimos trabalhos de Curt Nimuendajú. Êste autor, nascido em Jena e naturalizado brasileiro, publicou em 1914, como sua primeira obra, um magistral estudo sôbre a religião dos Apapocuva-Guarani, horda de seu pai adotivo e da qual recebeu o nome índio, hoje tão caro aos colegas e tão conhecido de todos os estudiosos. O mencionado trabalho é fruto dum convívio de vários anos com os Guarani do sul de Mato Grosso e do Estado de São Paulo, contendo, além do material mitológico, abundantes dados sôbre lingüística, psicologia e história de migrações. As outras vinte e uma publicações de Nimuendajú aparecidas nos anos de 1914 a 1932 são, na maior parte, vocabulários das numerosas tribos do norte do Brasil, por êle visitadas, mitos dos Crengêz, Tembé e Xipáia, destacando-se as pequenas monografias sôbre a cultura dos Parintintin e Palikur. Estimulado por R. H. Lowie, dedicou-se o explorador, desde 1935, a estudar, principalmente, a organização social dos Gê. Daí seus trabalhos fundamentais sôbre várias tribos dêste importante grupo, que inauguram nova fase no desenvolvimento da Etnologia Brasileira.
Também a monografia do padre Colbacchini sôbre os Boróro Orientais, aparecida em Turim, apresenta, ao lado de muitas páginas preciosas sôbre mitologia, lingüística e etnografia em geral, detalhado estudo sociológico, o qual foi ainda consideràvelmente melhorado e aumentado na edição brasileira da mesma obra, publicada no ano de 1942, por êsse missionário salesiano em colaboração com o seu confrade Albisetti.
Ao lado das figuras máximas da Etnologia Brasileira mencionadas acima destacam-se, no primeiro quartel do século XX, dois brasileiros, isto é, Capistrano de Abreu, com sua obra sui-generis sôbre os Kaxinauá e Roquette Pinto com seu livro sôbre os Paressi e Nambikuara encontrados pela heróica Comissão Rondon.
Nos decênios seguintes, o interêsse científico pelos índios cresceu no próprio Brasil. Embora tenham aparecido, nos últimos anos,
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os trabalhos importantes dos norte-americanos Charles Wagley e Jules Henry e do francês Lévi-Strauss, a Etnologia Brasileira, estudo cultivado antigamente quase que só por europeus e, com especial intensidade, pelos alemães, já passou ao domínio dos filhos dêsse país. São Paulo tornou-se o centro dessas pesquisas pelos cursos proferidos na Escola de Sociologia e Política e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de sua Universidade, que resultaram em teses de mestre, respectivamente doutor, como as de Florestan Fernandes, Egon Schaden, Lucila Herrmann, Gioconda Mussolini e Fernando Altenfelder Silva, e na formação de pesquisadores de campo como Darcy Ribeiro, chefe da Secção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios, e Harald Schultz, Assistente de Etnologia do Museu Paulista. Indício da produtividade a respeito é o fato de três publicações periódicas se dedicarem, na capital bandeirante, a assuntos etnológicos, isto é, a Nova Série da "Revista do Museu Paulista", "Sociologia" e a "Revista de Antropologia". É verdade que também o Rio de Janeiro não deixou de contribuir para a intensificação dos trabalhos indianistas, com um etnólogo como Eduardo Galvão e a série de Antropologia do Boletim do Museu Nacional.
Esta rápida enumeração dos principais contribuintes à Etnologia Brasileira nas diversas épocas não pode ser encerrada sem mencionar aquêles que, depois de Martius e Ehrenreich, procuraram sintetizar o material a respeito. São o padre Wilhelm Schmidt em 1913, Krickeberg em 1922 e 1939, Estêvão Pinto em 1935, Pericot y Garcia em 1936, Gillin em 1940, Radin em 1942, Ramos em 1943 e, de 1946 a 1950, os vários autores do Handbook of South American Indians, dos quais se destacam Curt Nimuendajú, Alfred Métraux e Robert H. Lowie como os que maior número de páginas dedicaram ao estudo de culturas brasileiras. Sínteses exclusivamente lingüísticas foram publicadas por Rivet em 1924 e 1952, Wilhelm Schmidt em 1926, Loukotka em 1939, 1942 e 1952, e Mason em 1950.
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A História da Etnologia, apresentando dados acêrca dos povos observados, fornece-os também acêrca do povo do observador. É a História do nosso conhecimento dos outros e do nosso comportamento em relação a êles. Os fatos que, principalmente, chamam a atenção do observador, dizem respeito a si próprio e a seu povo em determinada época. Em outras palavras: a escolha de fatos feita pelo observador representa certa informação sôbre o ambiente social e cultural em que êle se criou e costumava viver.
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Vaz de Caminha e os seus se interessaram pelo aspecto físico e adôrno dos índios, pelo seu comportamento em relação aos ádvenas e pelas indicações que deram a respeito da existência de ouro e prata. A carta de 1500 frisa o bom tratamento dado pelos portuguêses, "para os mais amansar", aos índios hóspedes de suas naus. No final, a missiva indica como objetivo principal "salvar esta gente", mencionando em seguida a utilidade de ter na terra descoberta "esta pousada para esta navegação de Calecute." Várias passagens da epístola revelam a grande cautela dos portuguêses em não se exporem a uma surpresa hostil por parte dos índios. Em resumo: ao lado de certos interêsses intelectuais, isto é, curiosidade em conhecer gente e coisas estranhas, mostra o documento interêsses materiais em achar metal precioso e assegurar o caminho marítimo para a Índia, e interêsses religiosos, pois, dá grande importância ao "acrescentamento da nossa santa fé." Tudo isso foi manifestado com intenções benévolas e completamente pacíficas que, porém, não excluíram o racionalismo do autor, nem a desconfiança estratégica de seus companheiros.
A observação, no diário de Pero Lopes de Souza, de serem as mulheres tupi da Bahia, vistas pelo autor em 1531, "muj fermosas q nõ hã nenhuã emveja as da Rua nova de lixbõa", pode ser um juízo puramente estético, mas não deixa de lembrar as tendências tipicamente portuguêsas na política do povoamento colonial, isto é, a atividade procriadora do luso em qualquer ambiente racial e com qualquer quantidade e qualidade de mulheres.
Enquanto êsses escritos da primeira metade do século XVI encaram amàvelmente o aspecto externo dos Tupi, a "Historia da Prouincia Santa Cruz" de Magalhães de Gandavo, aparecida em 1576, já dá a conhecer outro modo de ver dos portuguêses, resultante do contacto mais longo com êsses índios, quando dêles declara: "…. sam desagradecidos em gram maneira, e muy deshumanos e crueis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo." — Havia chegado a época na qual o português considerava, em geral, o índio como escravo ou inimigo.
Era, porém, comum a quase todos os mencionados autores dos séculos XVI, XVII e XVIII, isto é, desde Vaz de Caminha até Rodrigues do Prado, terem o cristianismo por padrão supremo para pensar e agir.
Sòmente na interpretação e aplicação dêsse dever sagrado, no tocante aos índios, havia diferenças e mesmo contrastes. Para aumentar a glória de Deus, uns entabularam relações amistosas, ou-
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tros mataram ou fizeram escravos. Na Idade Média perdeu-se grande parte das aquisições científicas da Antiguidade, e, com elas, também a objetividade a respeito dos povos exóticos, patente em obras de arte egípcia, desde o segundo milenário antes de Cristo, e em monumentos de vitória do império romano. Conseqüência disso são as deturpações que encontramos, às vêzes, no meio de relatos verídicos dos primeiros séculos do Brasil. Para representar convenientemente os pagãos, ressuscitavam-se quimeras da Antiguidade e inventavam-se outras. No século XVII, os padres Acuña e Simão de Vasconcellos deram notícias acêrca de "nações" inteiras de gigantes, anãos, amazonas e gente com pés voltados para trás, correndo, apesar disso, para frente. Ainda no fim do século XVIII, o naturalista Rodrigues Ferreira perguntava: "Será certo que entre as muitas nações de gentios, que habitam no Juruá, confluente do rio Solimões, existe a dos Cauanás, espécie de pigmeus, de estatura tão curta, que não passam de cinco palmos? Será certo que a dos Uginas, do mesmo rio, consta de Tapuias caudatos?"
Indubitàvelmente, tal sede de sensações, causada pela imaginação de anormalidades, tinha certa relação com o vivo interêsse pela antropofagia que caracterizou a Etnologia Brasileira da segunda metade do século XVI. Era também um assunto predileto de autores dessa época, ainda não citados, como André Thevet e Fernão Cardim.
Simultâneamente à tendência a saborear fenômenos horripilantes, manifesta-se a inclinação para tornar mais bela a realidade. Assim, nas gravuras do livro de Léry, representando cenas de espíritos malignos em forma assombrosa, atormentando pobres Tupinambá, e também retratos de homens e mulheres desta tribo, correspondendo ao ideal de beleza europeu de então e lembrando a mencionada comparação das baianas índias com as lisboetas no diário de Lopes de Souza.
Tais "aformoseamentos" de povos-naturais alcançaram o auge na época em que Jean-Jacques Rousseau elogiou o suposto estado paradisíaco dessa gente. Martius, também, veio ao Brasil com preconceitos semelhantes. A desilusão sofrida na cabana índia o fêz mudar de opinião e manifestar-se de acôrdo com autores coevos como Friedrich Creuzer e sua escola, em cujas representações os povos-naturais não passavam de degenerados. Aplicando êste conceito aos índios do Brasil, Martius teve o ensejo de externar lamentações filantrópicas e revelar, com isso, o ambiente social e cultural em que se criara. Era o da burguesia alemã da época do romantismo, a casa dum farmacêutico em Erlangen, aparentemente bem diversa do cas-
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telo em Neuwied onde nascera o etnógrafo dos Botocudos. Apesar de ser filho do mesmo tempo, êste precursor de Martius na exploração e descrição de coisas brasileiras, sabia mostrar-se humanitário sem a verbosidade sentimentalista do sábio bávaro.
O evolucionismo de Darwin e Spencer que orientou as ciências, na segunda metade do século passado, é representado na Etnologia Brasileira principalmente por Karl von den Steinen. O descobridor do alto Xingu dissertou brilhantemente sôbre a origem da produção do fogo, da olaria, do desenho, das máscaras, do número dois e de outros fenômenos culturais, considerando a América do Sul o campo mais vantajoso de experiência para "resolver o problema do processo de desenvolvimento do grau inferior para o superior". Também Ehrenreich provou ter vivido na mesma época e ser contemporâneo de Tylor, quando, com referência aos Karajá e a outras tribos sul-americanas, falou do animismo como "a mais baixa forma da vida religiosa."
As obras do antropogeógrafo Ratzel, aparecidas nos dois últimos decênios do século XIX, formam uma espécie de reação contra o evolucionismo na Etnologia. O caminho de um fenômeno cultural pelo espaço interessa-lhe mais do que o pelo tempo. É verdade que já Martius se ocupara com problemas de migrações. Ignoramos a influência de Ratzel sôbre von den Steinen e Ehrenreich ao estudarem as mesmas questões. Em todo o caso, porém, conseqüência direta das idéias do afamado geógrafo é a monografia de Meyer sôbre a distribuição do arco e da flecha no Brasil Central. O padre W. Schmidt nomeia-se aperfeiçoador dessa corrente anti-evolucionista, se bem que a orientação historiográfica dêste etnólogo não esteja bem de acôrdo com tal afirmativa.
O estudo da "História Cultural'', tido por W. Schmidt e sua escola como objetivo principal da Etnologia, incitava, naturalmente, o acima mencionado "espírito da última hora" que obrigava os viajantes desde von den Steinen até Koch-Grünberg e Max Schmidt, a recolher, antes de tudo, o material ameaçado de extinção. É significativo que, ainda em 1952, o IV Congresso Internacional de Antropologia e Etnologia, presidido por aquêle padre e organizado pelos seus adeptos em Viena, foi encerrado com um symposium sôbre as medidas mais urgentes de tal salvamento.
Mas o desenvolvimento da Sociologia está repercutindo, cada vez mais, nas pesquisas etnográficas. Além disso, a intensificação de choques entre povos e raças de todos os continentes durante e depois da primeira guerra mundial não mais permitiu que se ignoras-
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sem os problemas de aculturação. O interêsse pelos mesmos está aumentando ràpidamente com a influência de Thurnwald, Herskovits, Redfield, Linton e outros. Assim, ao lado do "espírito da última hora" surge um espírito novo, que não olha só para trás, mas principalmente para o presente e para o futuro. Considera-se o comêço da compreensão psicológica dos povos estranhos, reconhecendo a necessidade do "estudo intensivo" pelo convívio de muitos meses e anos com a mesma gente. Êste espírito novo não teme perder o trabalho "in loco", pois, suas possibilidades são inúmeras.
Convém confessar, porém, que, enquanto a população indígena norte-americana está aumentando, a brasileira diminui, desaparecendo tribos sem deixar vestígios distinguíveis de sua cultura. Por outro lado, temos de cobrir, ainda, grandes manchas brancas no mapa etnográfico do Brasil e isto não só nos lugares onde o mapa geográfico indica "terra incognita".
Conhecemos os nomes de muitas tribos, mas, poucas foram estudadas. Há numerosos autores e centenas de publicações que tratam dos nossos índios, mas, poucos dêsses trabalhos satisfazem exigências científicas modernas. Não existe monograiia sôbre tribo brasileira que não revele a preferência do autor para determinado aspecto da cultura, quer seja ergologia, mitologia ou sociologia, ao invés de considerar todos os aspectos com a mesma penetração a fim de poder, realmente, ver a cultura como um todo em interação com suas partes, ou, em outras palavras, a vida como ela é. A respeito disso convém chamar a atenção para a existência, no Brasil, de várias tribos as quais, provàvelmente, se prestariam não menos que os Nâvaho ou Hôpi nos Estados Unidos, a serem investigadas de todos os lados com a mesma intensidade. Sejam lembrados, por exemplo, os Karajá ou os Krahó.
Por fim, é mister declarar que, encarando o conjunto das produções da Etnologia Brasileira, vemos surgir dúvidas em toda parte. Há as dúvidas que os melhores dos autores manifestam acêrca de problemas por êles mesmos ventilados. E há as dúvidas a nós inspiradas pela falta de escrúpulos da maioria dos autores, tanto na observação como na exposição do observado, pela sua inaptidão psíquica no trato com o índio e pelas inúmeras outras limitações que mesmo o mais capaz pesquisador de campo nem sempre consegue superar. Quase tôdas as publicações enumeradas na presente bibliografia e mesmo muitas das classificadas como "importantes" ou "interessantes" contêm informações insuficientemente controladas. Pouquíssimas se baseiam em observações feitas in loco depois de in-
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tenso preparo técnico e longo convívio com a tribo. Sendo geralmente difícil e, às vêzes, impossível fiscalizar os viajantes que escrevem sôbre índios e, dando a visita ao sertão, a muitos daqueles, ensejo de exibir suas vaidades, não há ciência que se preste tanto à charlatanice como a Etnologia. Mas, mesmo os autodidatas conscienciosos e bastante inteligentes para escapar aos perigos do etnocentrismo nunca se abstêm da escolha subjetiva dos fatos a serem observados, torcendo assim a verdade segundo os seus próprios interêsses. Supondo, porém, que com o desenvolvimento do ensino da Etnologia, o tempo do autodidata esteja passando, precisamos reconhecer que um especialista afamado pelos seus bons trabalhos de gabinete não é, necessàriamente, um competente pesquisador de campo. Sei de etnólogos que em casa revelam agudo senso crítico, mas que, frente ao índio, surpreendem pela credulidade. Pela sua maneira de perguntar sugerem ao informante as respostas com que, fàcilmente, se contentam. Grande parte de material sociológico esmeradamente apresentado por profissionais não merece fé por ser colhido sem conhecimento da língua e, portanto, sem que se tenha podido observar realmente a função dos fatos apresentados. Por outro lado, é desolador ver como perspicazes observadores da vida indígena se tornam vagos e confusos ao começarem a elaborar e interpretar as preciosidades que conseguiram reunir. E convém lembrar, ainda, que nem o fato de um pesquisador confirmar informações dadas por um colega garante sempre a verdade, pois, conhecemos casos em que um etnógrafo repetiu fielmente as afirmações de seu predecessor, provando êste, mais tarde, os erros nos dados por êle mesmo publicados e pelo outro ratificados.
À vista dêste estado de coisas, compreende-se que reste muito a fazer na Etnologia Brasileira. Havendo tão poucos etnólogos verdadeiros, devemos ajudar um ao outro. Publico a presente obra a fim de evitar que meus colegas e alunos gastem tempo, dinheiro e esfôrço intelectual repetindo o que já fiz, isto é, lidando anos e anos em bibliotecas e estragando a vista com a leitura de inúmeros livros dos quais muitos não contêm nada digno de nota. Naturalmente, quero também contribuir para esclarecer velhas dúvidas e criar novas, bem como brecar os "descobridores" de tribos desconhecidas por êles, mas muito conhecidas na literatura.
Óbvio é que meu trabalho não está perfeito. Apesar de ter procurado sistemàticamente todos os dados etnológicos acêrca de índios do Brasil, não pretendo ter esgotado o assunto. Deverão haver, ainda, opúsculos e artigos de publicações periódicas que escaparam à minha atenção. Também acêrca de tribos de regiões fronteiriças,
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como, por exemplo, acêrca dos Makuxi que vivem, em parte, no Brasil, e, em parte, na Guiana Inglêsa, não consegui ser completo. Como se vê, comecei com a Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira um trabalho que nunca acaba.
Além disso, muitas das obras citadas podem ser encaradas diferentemente do meu ponto de vista. No que diz respeito à crítica, entrei raras vêzes em pormenores. Na maior parte, ela se evidencia pela comparação dos comentários entre si. De resto, quando classifico uma publicação como sendo "Ligeiras notas", quero dizer que ela, realmente, não passa de ligeiras notas.
Esforcei-me, geralmente, por dar a forma mais resumida possível àquilo que considerei importante para dizer. Era minha ambição ser um guia lacônico. Mas, nos casos em que achei preciso, dei a indicação bibliográfica de comentários e críticas feitos por outros autores.
Tendo a intenção de ser útil aos estudiosos do índio brasileiro, não me limito, neste trabalho, a considerar material meramente etnológico. Menciono, também, obras de Lingüística, Arqueologia e Antropologia-Física que julgo próprias para completar o quadro bibliográfico aqui apresentado. Não sendo, porém, especialista nestas três disciplinas, trato-as mais de passagem, sem pensar em satisfazer as autoridades no assunto. Da mesma forma, indico as datas de nascimento e morte dos autores, no caso de as ter obtido.
Os índices tornam o livro um instrumento de trabalho. Os seus números se referem aos dos itens. Quem procura dados sôbre determinada tribo, nem sempre os encontrará exclusivamente nos itens enumerados sob o nome da tribo em aprêço, mas, também nos mencionados sob o nome da respectiva família lingüística ou região geográfica.
Nas indicações bibliográficas, os algarismos romanos se referem ao número do volume, e, as correspondentes letras minúsculas, por exemplo, vii, ao invés de VII, ao número das páginas do prefácio e de outras partes não numeradas com arábicos.
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Iniciei o presente trabalho em 1941, quando, a pedido do dr. Rubens Borba de Moraes, preparei uma bibliografia seletiva de 255 itens, entregue no ano seguinte a êsse diretor do Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. O livro, programado para entrar no prelo em 1943, só apareceu em 1949. Para elaborar os seus itens 1850-2104,
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eu me servira apenas das bibliotecas de São Paulo, especialmente da do dr. João Fernando de Almeida Prado, da do Museu Paulista, da Biblioteca Municipal e da minha própria. Mas, não dei, então, o trabalho por acabado. Continuei reunindo material, tomando notas das publicações que vinham saindo desde 1942. Consultei, também, no Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e a biblioteca do Museu Nacional. Na América do Norte, em 1949, e, na Europa, em 1952, pesquisei nas bibliotecas do American Museum of Natural History, da Columbia University e da American Geographical Society e na Public Library de Nova York; na Library of Congress, na Army Medical Library e na biblioteca da Universidade Católica, de Washington; no Arquivo Histórico Ultramarino e na Biblioteca Nacional de Lisboa; na Biblioteca Nacional de Madrid; na biblioteca do Musée de l'Homme e na do professor Paul Rivet, em Paris; na biblioteca do British Museum, de Londres; nas bibliotecas do Museum für Völkerkunde, da Kunst-Akademie, do Instituto de Missiologia e na Biblioteca Nacional, de Viena; na biblioteca do Instituto Frobenius, de Francfort; na Biblioteca Latino-Americana, de Berlim; na biblioteca do Museum für Völkerkunde, de Hamburgo e na do falecido americanista Georg Friederici, em Ahrensburg; na biblioteca do Etnografiska Museet, de Gotemburgo, Suécia, e na do Instituto Anthropos em Froideville, cantão Friburgo, Suiça.
Seja-me permitido manifestar, aqui, os meus efusivos agradecimentos a tôdas as pessoas que me ajudaram na preparação desta obra, especialmente aos amigos Rubens Borba de Moraes, João Fernando de Almeida Prado, Afonso de E. Taunay, Sérgio Buarque de Hollanda e às minhas auxiliares no Museu Paulista, D. Ashtar de Assis e D. Myrthes Nogueira. Agradeço, também, ao amigo Frederico Lane, pela seguinte tradução inglesa desta Introdução.
São Paulo, 1953
Herbert Baldus