- Roquette Pinto. Prefacio. In Abreu, S. Fróes. 1931. Na terra das palmeiras : Estudos brasileiros, p. i-iv. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica.
I
PARA os brasilianos dos ultimos tempos do Imperio e dos primeiros da Republica de 89, não havia duvida possivel a respeito de alguns assuntos: era absolutamente certo que as varzeas do Brasil tinham mais flores, e o céo mais estrelas. Ai! de quem duvidasse! Mas ninguem ia ver.
O genio poetico imbuiu-se das mesmas crenças que, nos tempos antigos, a surpreza tinha feito nascer na alma dos advenas. Correspondendo aos ''Dialogos"', todos começaram a entoar o côro das grandezas. E' sempre muito mais facil repetir, do que verificar. Durante mais de um seculo, os que conheciam a terra, porque dela precizavam, não sabiam ler nem escrever. E os que sabiam… nem siquer cogitavam de palmilhar-lhe os matos e as serras.
Admiraveis monografias de Rodrigues Ferreira, Luiz d'Alincourt, Lacerda e Almeida, Ricardo Franco e outros, só foram conhecidas e apreciadas muitos anos depois de escritas. Algumas até hoje nem foram publicadas, manancial formi-
II
davel en que beberam illustres viajantes europeus…
As classes dirigentes viveram neste país, até os primeiros anos da Republica de 89, mergulhadas numa cultura classica mais ou menos suspeita e ninguem se atrevia, sob pena de perder o bom conceito dos graúdos, a calejar as mãos no trabalho de um laboratorio ou de uma oficina. Os doutores sabiam de cór como se fazia. Não eram capazes de fazer…
Já na éra de 40, as ciencias naturais iam adquirindo, no mundo ocidental, o prestigio que hoje têm. Os moços aqui, em 60, faziam exames de retorica, muito mais importante do que fizica!…
E' bem conhecido o epizodio grotesco da inauguração do telegrafo.
Em 1889 o Brasil tinha um mapa que envergonhava, tal o numero de regjões em que os cartografos eram obrigados a escrever: ''territorio desconhecido habitado pelos indios''.
A exportação intelectual do país rezumia-se nos Arquivos do Muzeu Nacional, unica voz cientifica que o mundo culto recebia daqui e na ''Revista do Instituto Historico'', tambem lida no estrangeiro.
Praticamente, era só.
O malogro da ''Expedição das Borboletas'' (1859-1861) cuja alcunha já demonstra o gráo de apreço em que o povo da época tinha os estudos brasileiros objetivos, o silencio de alguns encarrega-
III
dos de acompanhar certas missões de explorações geograficas, o desastre da Comissão do Madeira, tudo isso levou ao espirito publico a noção de que nós não davamos para aquilo… Era coisa de alemães ou ingleses…
Couto de Magalhães, Severiano da Fonseca, Taunay e poucos mais, felismente mantiveram o rumo certo apezar da indiferença geral.
Duas figuras, porém, preparavam-se para apontar aos moços do Brasil o caminho do seu conhecimento real, Euclydes da Cunha mostrando-lhes os sertões e Cândido Rondon, a mata virgem.
Data desses dois grandes nomes o movimento de idealismo pragmatico no sentido de conhecer o Brasil tal qual é — com as suas tristezas e as suas glorias. Sentei praça no batalhão, ha uns vinte e cinco anos. E, como velho sargenteante recebi, na companhia, com grande contentamento, ha uns cinco ou seis, a vigorosa personalidade de Sylvio Fróes Abreu.
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Preparou-se o joven professor com a cultura geral e especializada de que hoje dispõe. Leu e meditou. Mas não quis contentar-se com o que lhe disseram os livros. Pertence ao grupo dos que põem os olhos nas estrelas mas não tiram os pés do solo. Foi á Terra das Palmeiras.
IV
O livro de Sylvio Fróes Abreu é um modelo a seguir por tantos moços escritores em condições de traçar a historia antropo-geografica das diferentes regiões do paiz. Volume opulento de observações e dados numericos será, depois de lido, vezes sem conta consultado.
Mas o que torna a obra particularmente valiosa, o que a faz carinhosamente amavel aos idealistas ativos da minha condição — é o sopro calido de um sentimento profundamente piedoso que anima as melhores paginas documentais, em que o autor mostrou a propria superioridade intelectual e moral, capaz de conhecer e divulgar o conhecido, porque é alma aberta á simpatia. Compreende a natureza.