A língua Apurinã (Aruák) é falada pelo povo autodenominado pupĩkarywakury, que vive, principalmente, em vários afluentes do rio Purus, sudeste do estado do Amazonas. Esta pesquisa tem como objetivo descrever os padrões de codificação da posse atributiva e predicativa em Apurinã em comparação com outras línguas Aruák, em especial, Piro (MATTESON, [1963] 1965; HANSON, 2010; SILVA, 2013) e Iñapari (PARKER, 1995 e 1999), geneticamente mais próximas de Apurinã. Nomes possuídos em Apurinã se distinguem gramaticalmente quanto à (in)alienabilidade. Os inalienáveis são não marcados em construções de posse, enquanto que os alienáveis são marcados nessas construções. Nomes inalienavelmente possuídos apresentam como parte de sua entrada lexical a posse obrigatória; semanticamente se referem a termos de parentesco, partes do corpo, partes de um todo ou elementos relacionados ao corpo, entre outras noções (tais como ny-thapu (1sg-arco.de) „meu arco‟ ou ny-mãka (1sg-roupa.de) „minha roupa‟). Entre os inalienáveis há os nomes classificatórios (FACUNDES, 2000), fonologicamente presos, recorrentes, com funções classificatórias, como ãamyna-tãta (árvore-casca.de „casca da árvore‟); e os não classificatórios (idem) incluindo aqueles que: (i) não podem ocorrer na forma não possuída (exceto no vocativo), se referindo a termos de parentesco, como n-ynyru (1sg-mãe.de) „minha mãe‟, *ynyru „mãe‟ sendo agramatical; e (ii) aqueles que podem ocorrer, em contextos pragmáticos específicos, em sua forma não possuída, pelo acréscimo do sufixo -txi, que „anula‟ a obrigatoriedade da presença de um possuidor, com nomes que se referem a partes do corpo, elementos relacionados ou produzidos pelo corpo, entre outras noções (ny-waku (1sgmão.de) „minha mão‟, em oposição a wakũ-txi (mão.de-n.possd) „mão‟). Nomes alienavelmente possuídos são aqueles que recebem um determinado sufixo, -te, -ne, -re1 ou -re2. Há um subconjunto de nomes inalienáveis que apresentam dupla marcação, recebendo o sufixo -ry quando não possuídos (nhipuku-ry (comida-n.possd) „comida‟) e -re2 quando possuídos (nhi-nhipuku-re (1sg-comida-possd „minha comida‟). A escolha entre um desses sufixos, embora lexicalmente condicionada, apresenta subgeneralizações relacionadas a aspectos semânticos, morfológicos e pragmáticos, em que, por exemplo, nomes de animais apenas ocorrem com -te ou -ne (ny-kema-te (1sg-anta-possd) „minha anta‟; ny-kataty-ne (1sgborboleta-possd) „minha borboleta); nomes deverbais geralmente ocorrem com -re (nymyteka-re (1sg-correr-possd „minha carreira (corrida)‟, em oposição à forma verbal nymyteka-nã-ta (1sg-correr-progr-vblz) „eu estou correndo‟); e termos considerados pelo falante como pouco familiarmente possuíveis ou desconhecidos são sempre marcados por -ne (nykema-awĩthe-ne (1sg-anta-chefe-possd) „minha vaca‟). Nas construções de posse predicativa, a língua apresenta a forma verbal awa „ter‟, „haver/existir‟ ou „viver/estar em/com‟, configurando um exemplo da íntima relação entre posse, localização e existência, conforme literatura sobre o assunto (c.f: NICHOLS, 1988; HAIMAN, 1983; HEINE, 2001; BARON e HERSLUND, 2001; DRYER, 2007; PERNISS E ZESHAN, 2008; HASPELMATH, 2008; STASSEN, 2009; entre outros). Adicionalmente, a língua apresenta cerca de 5 formas verbais ligadas à expressão de posse agregada à quantificação, o que temos chamado de posse quantificada, como em na=(h)ãty „ter muito‟; Ithu „ter muito‟; kuna kamuny „ter muito‟; Kaiãu „ter muito‟; Puiãu „ter pouco‟. Os padrões de marcação de posse em Apurinã acima descritos se aproximam, em certa medida, do que ocorre em outras línguas Aruák, apresentando, entretanto, especificidades que parecem ser inovações do subgrupo linguístico a que a língua pertence.
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