O milho, provavelmente a planta domesticada mais alterada e mais estudada pelo homem, permanece também como a mais misteriosa. Embora apresente a maior produtividade entre as culturas extensivas de grãos, ela é hoje a menos utilizada diretamente na alimentação humana. O desequilíbrio protéico do grão levou, em muitos países que utilizaram esse produto como base da alimentação, a desequilíbrios alimentares e ao surgimento de uma doença endêmica, a pelagra.
Para alguns historiadores, o milho não se difundiu na América do Sul pré-colombiana, devido à ausência de tratamentos adequados que corrigissem o desequilíbrio protéico. Para outros, o milho foi a base alimentar da sociedade andina e permitiu o desenvolvimento de sociedades complexas na bacia amazônica, destruídas no contato com os conquistadores.
O estudo, partindo de uma análise das características botânicas do milho e da sua difusão, procura redimensionar a disputa, oferecendo uma nova interpretação da difusão do milho na América do Sul pré-colombiana.
São ainda analisadas as características nutricionais do milho e os modos para contornar sua deficiência protéica. O estudo mostra que o tratamento alcalino praticado na Mesoamérica não é o único meio para resolver o desequilíbrio protéico; outros meios, como a variedade da dieta, o manejo do ponto de colheita com o milho imaturo e as fermentações, são igualmente adequados.
Partindo dessas premissas, tenta-se reconstruir os hábitos alimentares précolombianos com ampla utilização da literatura dos primeiros cronistas e da literatura etnográfica, complementadas com os resultados de pesquisas arqueológicas.
Tendo por base esses dados, conclui-se que:
A. O tratamento alcalino representa apenas uma entre as muitas estratégias para vencer o desequilíbrio protéico do milho. Outras estratégias são possíveis, e de fato foram utilizadas pelas populações da América do Sul na época pré-colombiana. Essas estratégias são variadas, não podendo ser limitadas apenas ao tratamento culinário do milho. Elas incluem maior amplitude de itens na alimentação, o uso sazonal dos produtos e a seleção genética de variedades em função de suas características nutricionais.
B. A carência protéica não representou o único obstáculo à difusão do milho na América do Sul. Outros fatores não menos importantes foram: a disponibilidade de outros itens alimentícios e as condições edáficas e climáticas de cada região.
C. O equilíbrio da dieta é altamente afetado pelo tamanho da população e pelas condições de acesso a recursos alimentares. Em populações com baixa densidade demográfica, com fácil acesso a recursos diversos e sem fortes variações sazonais na disponibilidade de alimentos — ou sem períodos de indisponibilidade de recursos alternativos —, o alto conteúdo energético do milho e a possibilidade de ser conservado não oferecem vantagens que justifiquem seu uso exclusivo. Essa consideração vale, principalmente, para as terras baixas da América do Sul.
O quadro do uso do milho que surge desta análise é o de um produto bem difundido na América do Sul pré-colombiana, mas com um uso oportunístico. Ele chegou a representar um importante complemento alimentar na sociedade andina, sem todavia tornar-se dominante. Por outro lado, teve uso marginal nas terras baixas, onde paradoxalmente transformou-se, em alguns casos, em cultivo de coivara, praticada por grupos nômades, ou populações agrícolas que regressaram a condição nômade.