Prefácio da quarta edição
- In Roquette-Pinto, E. 1935. Rondonia, p. 9-10. 4a. edição. Brasiliana: Biblioteca Pedagógica Brasileira, vol. 39. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Antonio Pyreneus de Souza — meu guia dedicado na viagem de 1912, de que surgiu este livro, foi dos mais gloriosos soldados nos trabalhos titânicos de desbravamento e ocupação das terras dilatadas da RONDÔNIA. Morreu no Rio de Janeiro a 18 de fevereiro de 1936. A notícia de seu falecimento mal apareceu nos diários, em três ou quatro linhas.
Só o Jornal do Commercio recordou, em frases concisas, a grande vida dedicada ao Brasil.
Sertanejo de Goiás, estudante aplicado da velha escola militar da Praia Vermelha, logo no início da sua carreira de oficial de infantaria figurou entre os mais dedicados, capazes, bravos e serenos lugares-tenentes de Rondon, que era major de Engenheiros quando recebeu, em 4 de março de 1907, a Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Mato Grosso ao Amazonas. Antonio Pyreneus de Souza, segundo-tenente, era escolhido pelo chefe a 11 do mesmo mês. A linha telegráfica — foi o pretexto. A obra de pesquisa e levantamento foi tudo. Theodoro Roosevelt dizia que a América pode apresentar ao Mundo duas realizações ciclópicas: ao norte, o Canal do Panamá; ao sul, as conquistas geográficas de Rondon. Pyreneus teve, nessa construção, ao mesmo tempo científica, prática e humanitária, um posto honroso, que o chefe nunca deixou de assinalar e os companheiros sempre timbraram em admirar e louvar. Na Expedição ao rio Madeira, Pyreneus foi o encarregado do serviço de Acampamento e Transporte, comandante do contingente militar. No Diário do Chefe o seu nome reponta a cada página; vai ao encontro dos índios bravios, de que há notícias por perto; consegue pescado ou caça para a fome dos expedicionários; é o enfermeiro carinhoso dos camaradas abatidos pela doença; volta para trabalhos complementares no terreno percorrido; numa das vezes, através da mata, sozinho, oito léguas a pé, faminto e cansado. A 30 de outubro de 1909 uma piranha, peixe voraz dos nossos rios, arranca-lhe, com as tesouras dos dentes, um pedaço da língua. Quase morreu, sufocado pelo sangue, escreveu Rondon no seu diário. Tal o militar, homem de ação, sans peur et sans reproche… Mas há também o geógrafo, que levantou alguns rios figurados nos mapas recentes.
Diz Rondon, no seu livro, que certa vez, para comemorar serviços do digno oficial, mandou lavrar uma árvore no local da façanha e nela fez esculpir o nome de Pyreneus. Assim vivem e morrem os heróis. Os jornais não lhe publicaram o retrato; mas o cerne, que a terra pátria sustenta, ergue, no crescer da árvore, o seu nome.
Recebi de La Vitoria, a 25 de fevereiro de 1936, o seguinte telegrama: "Abraço-te comovido pelo teu gesto amigo junto ao túmulo do nosso saudoso inesquecível Pyreneus, um dos bravos da epopeia dos sertões que crismaste com o nome de teu formoso livro. Guardarei sua memória como uma das relíquias da minha gratidão — General Rondon".
E. Roquette-Pinto.