Marcelo Jolkesky
(UNICAMP)
A América do Sul é lingüisticamente uma das regiões mais complexas do mundo. Devido justamente a tamanha variedade, desde meados do século XVIII muitos estudiosos já ensaiavam reflexões acerca da classificação das línguas deste continente. Steinthal, por exemplo, publicou em 1888 um estudo evidenciando o parentesco entre as línguas Quechua e Aymara. Brinton (1891) foi o primeiro comparativista a agrupar em famílias as mais de 1000 línguas sul-americanas citadas na literatura, baseando-se quase que exclusivamente em critérios geográficos e comparações de algumas dezenas de itens lexicais. A esta proposta seguiram as de Chamberlain (1913) e Rivet (1924). Loukotka (1942) foi o primeiro a propor agrupamentos macro-sistêmicos das línguas do continente ao hipotetizar sete troncos (Arawak, Caribe, Chibcha, Pano, Tucano, Tupi e Tapuia-Jê). Inúmeras outras tentativas de inclusão de famílias lingüísticas sul-americanas em troncos surgiram, donde se destacam os trabalhos de Swadesh (1959; 1960; 1962; 1967), Suarez (1969; 1973), Migliazza (1978), Key (1978; 1979; 1981), Greenberg (1987), Kaufman (1990; 1994) e Greenberg & Ruhlen (2007). O presente estudo é parte de um projeto que busca reavaliar tais hipóteses de classificação em virtude das deficiências e controvérsias nelas encontradas. Valendo-se de dados e análises lingüísticas mais recentes, aponto evidências lexicais, morfológicas e tipológicas para o estabelecimento do tronco aqui denominado Macro-Daha – composto pela família Sáliba e pelas línguas Hoti, Ticuna e Andoque. Segui a metodologia proposta por Ross (2005), que reavaliou a classificação das línguas não austronésicas da Nova Guiné e arredores através da observação de seus sistemas pronominais. A partir de comparação semelhante em mais de 100 línguas do continente, representando todas as famílias lingüísticas e incluindo todas as línguas classificadas como isoladas, selecionei aquelas que apresentavam idiossincraticamente traços formais e funcionais em comum. Para o conjunto em questão, construí outros dois bancos de dados (lexical e morfológico) e apliquei o método comparativo, como explicado em Fox (1995) e Campbell (1998), a fim de estabelecer as correspondências fonológicas, os proto-fonemas e a reconstrução do léxico e dos proto-morfemas. Adotando as recomendações de Gamkrelidze (1997) e Shibatani & Bynon (1999), apresento também uma série de tendências no padrão tipológico destas línguas, dentre as quais: (i) presença de tom e ausência de laterais e da nasal velar no sistema fonológico; (ii) morfologia aglutinante e sufixal; (iii) presença de prefixos pronominais possessivos e (iv) anteposição do genitivo e dos pronomes demonstrativos em relação ao nome. À parte disto, evidências extra-lingüísticas levantadas pela arqueologia e genética de populações também foram levadas em conta. Este estudo se justifica na medida que contribui para o resgate da origem e pré-história dos povos ameríndios sul-americanos, bem como para a reconstrução dos hábitos sociais, políticos e culturais que mantinham em tempos pré-colombianos.
Bibliografia:
Campbell, L. (1998) Historical linguistics: an introduction. Edinburgh: EUP.
Fox, A. (1995) Linguistic Reconstruction: An Introduction to Theory and Method. OUP.
Gamkrelidze, T. V. 1997. ‘Language typology and linguistic reconstruction’. In: Fisiak, J. (ed.) Linguistic Reconstruction and Typology, 25-48. Berlin & New York: Mouton de Gruyter.
Ross, M. (2005) ‘Pronouns as a preliminary diagnostic for grouping Papuan languages’. In: Pawley, A; Attenborough, R; Hide, R; Golson, J., (eds.) Papuan pasts: cultural, linguistic and biological histories of Papuan-speaking peoples. Pacific Linguistics, vol. 572:15-66. Canberra: RSPAS.
Shibatani, M; Bynon, T. (1999) Approaches to language typology. Oxford: Clarendon.
(ROSAE, 27/07/2009)