Aos 82 anos, Aryon Dall’Igna continua em sala de aula na UnB (Foto: Marcelo Ferreira/CB)
Ele formou gerações
Por Priscilla Borges, Correio Braziliense, 15/out/2007. "Nem a idade conseguiu afastar o professor Aryon Dall’Igna Rodrigues das salas de aula. Aos 82 anos, um dos maiores especialistas em línguas indígenas do mundo continua ativo. Trabalha mais de 40 horas semanais na Universidade de Brasília (UnB), sem ganhar um tostão por isso. Foi obrigado a se aposentar aos 70 anos, mas conseguiu permanecer no Laboratório de Línguas Indígenas (Lali) do Instituto de Letras da UnB como pesquisador. Para quem continua trabalhando e estudando ao lado dele, a experiência é um privilégio. Aryon faz parte da história da universidade e da difusão da língua indígena.
Sanderson Oliveira, 23, Lidiane Camargos, 21, e Ana Paula Lion, 26, são só elogios ao professor. Sanderson diz que ele estimula a produção científica dos alunos o tempo todo. “Cada palavra que ele diz vem acompanhada de um mundo de conhecimento. Ele contextualiza tudo o que fala”, frisa Ana Paula. “Ele é um grande sábio e trabalha por amor ao que faz. Tem prazer em ensinar e ver o aluno crescer”, sentencia Lidiane. Ana Suelly Cabral, professora doutora da UnB, também foi aluna de Aryon. Hoje é seu braço direito nas pesquisas. “Ele é uma relíquia. Poucos jovens têm esse fôlego”, comenta.
Aryon nasceu em Curitiba. Ainda menino, se interessou pelas palavras tupis. Como ele mesmo diz, gostava de “escarafunchar” os livros na biblioteca pública da cidade. Com 12 anos, escreveu um artigo para o jornalzinho da escola sobre as diferenças entre o tupi e o guarani. No ano seguinte, redigiu outro. Ele havia devorado o livro O selvagem, de Couto de Magalhães, que ganhara de presente de seu pai. A obra trazia um curso de línguas amazônicas e, com base no que aprendeu, escreveu um texto mostrando as influências portuguesas na sintaxe da língua indígena nheengatu.
Aos 15 anos, Aryon começou a trabalhar para ajudar a família. Ele limpava salas de aula em um colégio particular de Curitiba. Nesse período, foi convidado para dar aulas de francês na instituição. Ele encontrou aí a profissão que seguiria por toda a vida: a docência. Aryon queria fazer ciência. Queria estudar profundamente as línguas faladas pelos índios. Descobriu que, para pesquisar, teria de dar aulas na universidade e encarou o desafio. Formou-se em letras clássicas na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Durante esse período, deu aulas no Colégio Estadual do Paraná.
Em seguida, Aryon seguiu para Hamburgo, na Alemanha, onde fez doutorado na área de lingüística. Voltou para o Brasil e começou a dar aulas na UFPR. Logo foi convidado por Darcy Ribeiro para integrar o time que criaria a UnB. Por conta da ditadura, em 1965, ele e outros 200 professores pediram demissão e partiram. Aryon deu aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Universidade Estadual da Unicamp (Unicamp) e em instituições do Uruguai, do México, dos Estados Unidos, da Holanda. Em 1988, voltou à UnB. Só 10 anos depois conseguiu criar o Lali.
Divorciado, pai de três filhos e avô de dois netos, Aryon diz que continua trabalhando porque não quer perder o contato com os alunos. “Seria uma loucura. Eu perderia o horizonte e a aposentadoria ia me matar”, brinca. Dá aulas na pós-graduação, orienta 11 dissertações de mestrado e teses de doutorado, supervisiona um pós-doutorado e coordena três projetos de iniciação científica. Para ele, ainda há muito o que ser produzido e descoberto. “É muito bom ver que o conhecimento que a gente passa floresce em alguém”, avalia um incansável professor.