to nem a cultura dos índios.1 Mas daí a recusar-lhes qualquer valor como documentos filológicos e lingüisticos só seria justo se a Lingüística fôsse mera disciplina auxiliar da Etnologia, destinada tão só a desvendar aos olhos do etnólogo o pensamento e a cultura dos primitivos. Ora o objeto da Lingüística não é o pensamento nem a cultura, mas a expressão simbólica e vocal do pensamento ou emoção.2 — Um catecismo em língua indígena não é mais artificial do que uma lenda indígena escrita em português. Nem do que uma tragédia de Sófocles, representada em inglês. O que é artificial na literatura missionária é o pensamento ou quiçá a cultura que se põe na língua do índio. não necessàriamente a língua em que se expressa aquêle pensamento. As palavras, o material sonoro empregado, os conceitos gramaticais expressos, os processos que os exprimem, os prefixos, os sufixos, a ordem das palavras, enfim tudo o que é material estritamente lingüistico (e não apenas cultural) tudo ali é autêntico e legítimo — excetuado algum ou outro neologismo ou êrro acidental — e não um artifício lingüístico como seria, p. ex., um discurso em esperanto ou uma poesia em volapuque. Para maior clareza, suponhamos que um índio narre a lenda de Sumé em tupi, em português e em esperanto. Nos três casos, o conteúdo etnológico é o mesmo. genuíno e autêntico. O modo (lingüístico) de expressar êsse conteúdo é também genuíno nos dois primeiros casos, artificial apenas no caso do esperanto. Por quê? Porque no esperanto, tanto o material sonoro sistematizado quanto o convencionalismo do sinal semântico não vêm de uma |
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