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WAGLEY, Charles, and GALVÃO, Eduardo

Esta importante monografia trata dos índios tupi do Maranhâo conhecidos na literatura sob o nome de Guajajara. Têm em comum com os Tembé língua e costumes, chamando-se ambos os grupos, a si mesmos, de Tenetehara (p. 4). Em contraste com numerosas outras tribos do Brasil desaparecidas depois de contacto mais ou menos prolongado com os brancos, os Tenetehara, apesar de estarem em tal contacto há mais de três séculos, continuam como unidade cultural, diferindo dos vizinhos neo-brasileiros. Oferecem, portanto, ótima possibilidade para o estudo de problemas de aculturação.
O material exposto no presente livro foi colhido durante alguns meses de 1941 e 1942 e outros tantos meses em 1945. Os autores, depois de resumirem informes históricos sôbre as povoações dos Tenetehara em diversas épocas e suas relações com os brancos (pp.3-14), tratam da organização social (pp.15-30) coordenando os dados a respeito sob os sub-títulos "A aldeia", "Chefes de aldeia", "Família e grupos de parentesco". As casas dos Tenetehara são construídas à moda dos neo-brasileiros da região. Cada aldeia é composta de várias famílias-grandes (extended-families). O sistema de classificar parentesco é bilateral.
O capítulo "Vida econômica" (pp.31-62) merece destaque especial pela parte relativa à horticultura, ventilando problemas nunca antes satisfatoriamente considerados nos trabalhos sôbre índios do Brasil, assim, por exemplo, os problemas da área e do rendimento das terras amanhadas.
No capítulo seguinte, intitulado "Personal life" (pp.63-97), são estudados os traços culturais ligados a nascimento, infância, puberdade, casamento e vida sexual. Acêrca do comportamento sexual, os conceitos dos Tenetehara são, por assim dizer, diametralmente opostos aos dos vizinhos neo-brasileiros. A passagem para a maioridade é, entre aquêles índios, marcada por uma cerimônia da qual participam adolescentes de ambos os sexos. Antigamente, rapazes e meninas tinham de passar, antes dela, dez dias ou mais, isolados, cada um num ranchinho que distava quarenta ou cincoenta metros da aldeia. Em seguida era-lhes feita a incisão da insígnia tribal. Wagley e Galvão, porém, não encontraram mais ninguém com essa tatuagem e o isolamento dos rapazes, antes da iniciação, é raro, atualmente. As meninas são, ainda, isoladas por ocasião da primeira menstruação, se bem que não como nos tempos passados, em choça especial, mas ocultas num canto da casa da família, apartado e fechado por fôlhas de palmeira. A cerimônia da passagem propriamente dita é realizada, ao mesmo tempo para vários iniciandos de ambos os sexos, consistindo, principalmente, em canções e danças coletivas e em exibições de pajelança nas quais os médicos-feiticeiros se deixam possuir por sêres sobrenaturais. Os iniciandos não cantam durante aquêles cantos e danças, mas quando tudo acaba, ao pôr do sol, e êles, são considerados "Homens", começam, timidamente e em voz baixa, a participar de outros cantos.
O capítulo sôbre religião (pp.98-127) trata dos sêres sobrenaturais, da pajelança e dos cerimoniais. As duas festas mais importantes são a do mel e a do milho. Quase todos os Tenetehara tentam, quando moços, adquirir poderes mágicos, mas poucos mostram aptidão para isso e pouquíssimos tornam-se capazes de "chamar" sêres sobrenaturais e de ficar possuídos por êles. O poder do pajé corresponde ao número dos sêres sobrenaturais que consegue controlar atraindo com danças e cantos peculiares a cada um dêles e engolindo muita fumaça de um grande charuto.
O capítulo seguinte (pp.128-165) reune 37 lendas, algumas das quais se revelam como procedentes dos vizinhos neo-brasileiros. A maioria, porém, trata de diversos assuntos preferencialmente representados na mitologia sul-americana, como, por exemplo, das façanhas dos heróis-culturais e heróis-gêmeos, da origem de componentes importantes da cultura e de aventuras de animais.
"A culture in transition", sub-título do livro, é também o título do último capítulo (pp.166-183), no qual os autores chegam à conclusão de que os Tenetehara conseguiram realizar uma integração cultural modificada e sobreviver como tribo, até o século XX, não por terem sido mais conservadores do que outras tribos, ou por haver, na sua cultura, alguma coisa que a capacite a resistir a mudanças, mas, ao contrário, por terem-se agarrado menos aos antigos costumes e serem relativamente mais dispostos a aceitar novas idéias e técnicas do que certas tribos gê. "Com efeito, sua flexibilidade e disposição para aceitar mudanças foram, provàvelmente, fatôres importantes de sua sobrevivência". (p.178). Wagley e Galvão não deixam de observar, porém, que a cultura neo-brasileira com a qual os Tenetehara estão em contacto, não é uma espécie importada da moderna "civilização ocidental", mas uma cultura rural formada sob influência de portuguêses, escravos africanos e várias tribos de índios do Brasil (p. 179).
É dada, em apêndice, uma lista de têrmos de parentesco.
O livro de Wagley e Galvão não só tem grande atualidade em vista do interêsse geral e cada dia maior pelos problemas de aculturação, como também é indispensável para o estudo comparativo das tribos tupi. Representa um exemplo magistral de moderna pesquisa de campo e de elaboração dos resultados.
Cf. os comentários de E. Schaden (Sociologia XI, n. 3, São Paulo 1949, pp.406-410), H. Baldus (Anthropos XLV, n.1-3, Freiburg in der Schweiz 1950, pp.441-442) e J. Henry (Boletín Bibliográfico de Antropología Americana XII, parte II [1949], México 1950, pp.173-175).

(p. 754-756)

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